“Tona” de Max Fernandes

No sábado, 7 de janeiro, pelas 16h, inaugura a exposição “Tona” de Max Fernandes, com a curadoria de José A. Pereira.
“Tona”
de Max Fernandes
Esta exposição de Max Fernandes, no Espaço Mira, é um exercício de anamnese seletiva da sua prática artística nos últimos oito anos. O filme digital tem sido não só a medula do seu incessante registo e
construção de narrativas poéticas, bem como da captação de
encenações colaborativas e socialmente engajadas. De conversas
demoradas com Margarida Tengarrinha, passando pela criação de peças de teatro com ex-trabalhadores da indústria local, até à
implementação de um espaço independente de exposições/atelier/sala de estar libertária numa antiga Fábrica no centro de Guimarães; Max Fernandes tem feito do filme o mediador de experiências socialmente ativas, não apenas como prova dessa preocupação com a interação dos humanos, e deles mesmos com o meio ambiente, mas também como ato próprio e ampliado de edição do real, através de uma panóplia de recursos plásticos, que reclamam às imagens em movimento sentidos para além do audiovisual.
Texto e curadoria: José A. Pereira
NOTAS BIOGRÁFICAS
MAX FERNANDES
(1979, Guimarães).
Das atividades mais recentes destacam-se:
As exposições individuais: Preambular o Futuro, CIAJG, Guimarães, 2022; Lembrete, Mupy Gallery – Maus Hábitos, Porto, 2022; Redor, residência – Laboratórios de Verão, GNRation, Braga, 2021; Cão-Rio (saco de arroz cozido no chão), Uma Certa Falta de Coerência, Porto, 2016.
As exposições coletivas: Quatro Paredes e Duas Salas, Teatro Municipal de Vila Real, 2022; Ruminar o Museu, CIAJG, Guimarães, 2022; Um corpo um rio, Galeria Liminare, Lisboa, 2021; Figuras no Pensamentos Visual Crítico – parte II, Museu Alberto Sampaio (Guimarães Project Room), 2021; 25 de abril – onde nasce a liberdade, Espaço Mira, Porto, 2020.
As projeções de filmes: “fora inverno, já era primavera, o verão seria glorioso”, Espaço Mira, Porto, 2020; Cinema Expandido – Seminário 22-23 de novembro, FBAUPorto, 2018; Ciclo em torno da obra videográfica de Max Fernandes, Gato Vadio e Playlist #9 – café-livraria Candelabro, ambas no Porto, em 2017.
Organização e gestão dos espaços de exposições: O Sol Aceita A Pele Para Ficar, desde 2015, e Laboratório das Artes, 2004-2006, ambos em Guimarães.
Os projetos na comunidade: Direção, Criação Cenográfica do espetáculo Uma Espécie de Coisa (Org. Outra Voz), CCVF, 2022; Assembleias Populares da Caldeiroa, 2016-2017, ambos em Guimarães; Clases en el monte, (Wochenklausur), 2012, Puebla de Sanabria, Espanha; Rastilho, 2012-2013, e Tecer Outras Coisas, 2011-2013, ambos em Pevidém, Guimarães.
JOSÉ ALMEIDA PEREIRA
Vive e trabalha no Porto.
Frequentou o programa de estudos independentes da Maumaus e é Mestre em Práticas Artísticas pelas Belas Artes do Porto.
É artista, e curador ocasional. Foi co-criador e programador do espaço independente “Fundação” no Porto (2009-2012). Integrou o coletivo de artistas Vienense WochenKlausur (2010-12). Co-criou e programou a 1ª edição do “Via Aberta” no Aartes, Mota Galiza Porto (2018). No Aartes criou e programou o conjunto de exposições “Caves dos sonhos esquecidos” (2018-2019).

Ambientes de Trabalho de Nuno Ramalho

Esta exposição dá continuidade a uma série de trabalhos enquadrados por uma mesma temática, que tenho vindo a abordar desde o início do meu percurso.

Procuro, de forma mais ou menos visível mas constante, reflectir sobre arte: da criação artística em si, com os seus problemas e conflitos, ao sistema artístico e aos diversos agentes que nele operam, das relações entre estes (por exemplo, artista – galerista) aos espaços expositivos e aos decisores que aí se inscrevem, das formas da crítica às do mercado da arte, da economia na sua articulação com a criação de objectos/mercadoria artística ao papel do artista e à sua possível caracterização filtrada através de todos estes elementos – desde o retrato-robot ao criador-terrorista enquanto formas simultaneamente idealizadas e ameaçadoras, à morte ou estrangulação do artista pela acção ou inacção dos agentes artísticos, ou através da fragilidade, contingências e vicissitudes do sistema das artes. Todas estas reflexões encontram no desenho e nas intersecções deste com a colagem, o mural, a assemblagem, a apropriação, a instalação e o desenho expandido a forma mais sintética de as dizer, de as expor. Um dizer / expor que procura convocar, envolver e implicar o observador.

Com meios diversos sobre diferentes suportes, de modo convencional ou menos tradicional, o desenho – a cosa mentale fundamental – é a ferramenta que comenta o reflectido, aqui tomando conta das paredes e do chão, inscrevendo alguns traços da realidade observada ou revelando espectros desta na projecção de vídeo, instalações e demais obras apresentadas.

A noção de escala permite minimizar, humanizar ou monumentalizar de forma crítica a representação da realidade económica, histórica e cultural. Do mesmo modo, o desenho de luz permite clarificar ou sublimar as características dos materiais, potenciando imagens metafóricas, obras abertas a múltiplas e complexas interpretações.

O atelier, espaço de produção mas sobretudo de reflexão e concepção, abre a exposição. Aparece em ‘ambientes de trabalho’ inscrito no desenho/ilustração-colagem da entrada, representação tridimensional realizada a partir do registo fotográfico da porta do atelier, situado exactamente no centro do Porto (com tudo o que isso implica nos dias de hoje). O trabalho prolonga a porta do próprio espaço expositivo, dando continuidade ao ciclo da obra de arte ao mostrar mais uma fase da sua produção e circulação: a da apresentação e o consequente confronto com o público.

A padronização do processo de criação, apresentação e aquisição de qualquer obra de arte e a relação destas com qualquer outra mercadoria é, de algum modo, reflectida pelos desenhos com pontos, linhas e módulos ritmados de forma regular ou orgânica, inscritos com moedas de um cêntimo, (moedas cujo valor de produção é maior que o valor da moeda), num material plástico específico para a embalagem, nomeadamente de mercadorias artísticas.

As obras, com poder potencialmente simbólico, singular e distintivo, encontram-se no chão; são parte da nossa realidade, estão em exposição e predispostas para o transporte, para a suposta última fase do ciclo: a fase da aquisição, a fase de integração no mercado. A padronização que emerge aos nossos pés com o peso da moeda sobre um material frágil, leve e transparente, é precedida por uma linha recta. Esta, de certa forma, também define um limite – o limite do material, que então dá lugar ao padrão e aos seu diversos níveis de complexidade para, em seguida, emergirem imagens constituídas por pontos arrastados, que introduzem determinada ideia de espaço e de desmaterialização.

O padrão ou o processo de padronização, que parecem tomar conta de todo o espaço, vão paradoxalmente instaurando o caos observável na acumulação e sobreposição de moedas, na composição aleatória e de pontos que nos restituem a imagem de espaço sem fim, inúmero.

A um canto, invisível desde a entrada e de difícil visionamento, dois desenhos reproduzem mimeticamente uma imagem fotográfica, apropriada da web e originalmente mal impressa sobre papel. Em cada uma dessas imagens originais é apresentado o mesmo personagem, com a mesma expressão facial (note-se o vídeo e retorne-se a estas obras), a mesma pose, a mesma situação, dissemelhante apenas numa das peças de roupa (a t-shirt na primeira e a camisola na segunda).

A peça de roupa, mercadoria, não é aqui o diverso mas sim o singular. O duplicado é o sujeito, o homem-módulo na sua existência, redesenhado enquanto homem-objecto, menos indivíduo, mais uma coisa no seio de uma ecologia maior e de elementos igualmente pertinentes, talvez afastado da sua individualidade enquanto ser mas eventualmente próximo de outras possibilidades.

Não tanto por oposição mas por dissonância, ao lado destas duas reproduções e visíveis de quase todos os pontos do espaço expositivo, menos de um, aparecem a reprodução da almofada utilizada por mim no atelier para descansar (ou preguiçar, ou não-trabalhar, ou adiar), e os estudos e variações imaginados a partir do padrão desta, até ao do espaço da sua própria produção. Estes esquissos evidenciam o quanto a almofada se torna singular, objecto eleito para determinado uso e assim mesmo revelar ‘em negativo’ aquilo que se lhe opõe: uma constante pressão para o trabalho, para a ideologia que o alimenta e dele se sustenta (aqui, pense-se no vídeo apresentado e no que ele sugere), para a qual a arte e os artistas contribuem mais do que efectivamente interrompem. A almofada é também um múltiplo, tornado singular pelas marcas humanas, tempo investido e presença constante.

É o tempo, o investimento, a dedicação, a obsessão e a presença que tornam particular, singular e humanizado o tapete de moedas com padrão e textura regular realizado manualmente. Esta obra, que evoca novamente outras formas do trabalho sem as explicitar, procura evidenciar a humanização da criação, e por outro lado a incapacidade de padronização no gesto criativo quando criado em determinadas condições, segundo determinados ideais, razões e ou objectivos.

Este tapete constitui um chão matérico, pesado, mas igualmente sublimado; uma representação e um ideal. O trabalho convoca a obra “Golden Field” (que por sua vez dará origem a “Gold MatsPaired – For Ross and Felix”), da artista norte-americana Roni Horn. Esse projecto consiste numa ‘folha’ em ouro com as mesmas dimensões do tapete aqui preparado. Nesta que é a última obra da exposição, não resisti à necessidade de citação, talvez por me permitir uma outra maneira de entender o material que mais tenho utilizado ultimamente – moedas de um cêntimo, denominadores mínimos de uma elasticidade material e imaterial complexa. É um trabalho que reclama o espaço expositivo enquanto atelier e local de experimentação, devolvendo o visitante à peça da entrada e ao loop que ‘ambientes de trabalho’, essencialmente, materializa.

 

Texto editado a partir de uma conversa maior entre o artista e o curador José Maia