A perda de altivez obriga à façanha da atitude. A proeza da novidade convoca a modéstia de ver o mundo às avessas antes de o futurar de pernas para o ar. Há nesse modo frugal de alimentar a fantasia algo que conduz a visão para o território dos milagres ao alcance de todos os mortais. Se o sol é grande e todos os dias fornece luz para que os olhos vejam, se o solo é fértil e permite que lá plantemos o cucuruto da cabeça, todas as leis – a da bala, a da rolha, a da selva, a do talião, do mais forte e a do menor esforço… – são passíveis de revisão em baixa. Então, no lugar da vela, da lápide (ou de outra forma de acção de graças pós-sacrificial) é o próprio corpo descarnado que se oferece sem se dar a conhecer, recordando, agradecendo ou propiciando. Quando pinta e escreve por linhas tortas, o fazedor de ex-votos instaura o politeísmo no coração da religião do livro, denunciando as indesejáveis exclusividades desta última. Pois se o sol é grande, grande é também o coração do crente, e se o solo é fértil, fértil é também a imaginação do corpo inteiro quando a esperança se torna o seu principal carburante.