de José Maçãs de Carvalho
Texto crítico de Eduarda Neves
Curadoria: José Maia
Nenhum começo e todos os segredos A origem é a actualidade [Toni Negri] Na materialidade das imagens o arquivista inscreve o tempo, procura camadas silenciadas, reinventa o arquivo. É este que, nas palavras de Michel Foucault, estabelece a nossa diferença, fazendo ecoar que a “nossa razão é a diferença dos discursos, a nossa história a diferença dos tempos, o nosso eu a diferença das máscaras. Que a diferença, longe de ser origem esquecida e recoberta, é a dispersão que somos e que fazemos”. 1 As imagens que José Maçãs de Carvalho liberta do inventário regulador, desestabilizam a unificação da memória colectiva. Tecem-se em múltiplos trajectos através dos quais cada uma desenha as suas variações. Procura-se no arquivo – nessa rede que se constrói entre os diversos elementos de um conjunto heterogéneo – o dito e o não-dito, a nossa actualidade. O corte que afasta as obras da continuidade e da identidade temporal é o mesmo que as aproxima das modalidades concretas da existência e da superação dos seus limites. Territórios singulares, pessoas e narrativas em deriva, impossibilitam o fechamento, diluem as razões nas resistências da história. Levantar o papel. Carimbar o papel. Marcar o papel. O corpo organiza o aparelho de produção. Através do movimento se opera a decomposição individualizadora da força de trabalho. Dividir, distribuir e repetir para que o arquivo se torne útil. Há marcas em todo o lado. As marcas são sempre diferentes mesmo quando os efeitos parecem reconhecíveis ou semelhantes, mesmo quando as condições ideológicas aparecem como condições de verdade. Nenhuma marca se faz sozinha, cada uma é obstinadamente os tempos do nosso tempo. Como em “Des Voeux Road” – forever young. Combinações desarrumadas entre as palavras e as coisas, o objecto e a sua representação. Entre murmúrios e segredos, formas do visível e formas do enunciável, o que é realmente dito? O que queremos dizer? O que queremos ouvir? O que somos capazes de ouvir? Conta-me um segredo. (Eduarda Neves)
*1_Michel FOUCAULT – Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Editora Forense, p.148-149.