Made in P.R.C. de José Farinha
Quase tudo é feito na República Popular da China. Estas fotos retratam uma viagem que fiz no final de 2016, durante 3 meses, percorrendo diversas cidades de um país muito vasto, onde a multiculturalidade se une sob a batuta atenta do Partido Comunista da China. A surpreendente evolução económica e social nas ultimas décadas, faz da China um país onde qualquer cidade no meio do nada, que quase ninguém no nosso mundo ocidental ouviu falar, se transformou numa metrópole de milhões de habitantes. Tudo se vende, compra e troca num frenesim de cheiros, cor e movimento que fascina ao virar de cada esquina.
Body Pieces de Lauren Maganete
Corpo de uma alma complexa, de uma mente cheia de indagações. No imediato da escrita, estas obras de Lauren Maganete devolveram-me às dúvidas sobre este tudo e este nada que é o amor. Há na imagens da autora, nascida em Bragança em 1970, uma impenetrável indagação da essência da sexualidade. É inevitável que nos coloquemos na adivinhação das dialéticas – dor e prazer, amor e ódio, presença e ausência – que colocam em confronto os corpos em partes, em metades ou quase todos celestiais. Há muito que deixei de questionar como é que a autora desenha com a objetiva, como é que seleciona a informação que nos traz. Lauren Maganete, disse-o já muitas vezes, fotografa como respira. Por vezes, a respiração é ofegante, por vezes cansada, por vezes triste, por vezes sossegada. Nunca igual. Neste caso não sei. Repete-se o preto e branco mas há uma aprimoração na forma de trabalhar a ilusão dos reflexos e a importância dada a certos detalhes, num exercício de manipulação da escala que coloca o espetado na dimensão da sua grandeza ou da sua pequenez. A fotografia de Lauren tem esta frontalidade e esta verdade. Não sobre a imagem em si, que esconde, muitas vezes, bem mais do que revela, mas sobre quem olha. Saí da cama num salto depois de ver as imagens que me assaltaram de dor. Desta vez foi dor. Solidão, rejeição, pensamento só. Uma mulher que somos todas nós. Em BODY PIECES Lauren Maganete atinge o climax da sua narrativa existencial. É ela que ali sem autorrepresenta sem nunca o assumir. Mas é. Há uma espécie de urgência e de grito. Há uma espécie de emergência e ouvem-se as sirenes a tocar. Depois o fumo do cigarro que apaga a luz. Os referências à primeiras experiências performáticas da década de 1960 são evidentes. Contudo, a luz é nova, é dela e a palete é inconfundível. São partes, não do corpo, mas de almas acabadas, de restos tristes dos dias. BODY PIECES é uma série triste de obras de arte imemoriais, que não se esgotam, que não se acabam, mas que nos despedaçam por dentro, que nos fazem chorar.
(Helena Mendes Pereira)
The Hunted – Albinos de Daniel Rodrigues
Existe uma superstição em Moçambique e em países vizinhos, como Malawi e Tanzânia, que afirma que se tiver um pedaço de um albino – osso ou partes do corpo – a pessoa terá sorte e dinheiro na vida. Em Moçambique, uma pessoa com albinismo pode valer entre $ 4.000 a $ 75.000. Desde o final de 2014, dezenas de albinos em Moçambique foram sequestrados ou assassinados, muitas vezes pelos próprios familiares. No Malawi, 20 albinos foram mortos no mesmo período (2014 a 2016) e centenas de outros atacados. Em ambos os países, os túmulos de albinos foram vandalizados, com cadáveres desenterrados em busca de talismãs. Aqueles que não são sequestrados ou mortos enfrentam discriminação e vivem com medo.
É ainda manhã de Maria Oliveira
A realidade é sempre a iminência de algo por acontecer, a transição é o estado mais natural das coisas.
Ao mundo pensamo-lo à nossa medida, sob domínio, ajeitado às nossas mãos. Atentos ao que podemos controlar.
Mas a vida pertence-nos em igual medida que a morte. Assistimos sempre àquilo que acaba.
Pensar o mundo como um lugar comum e mutável é também reconhecer-lhe a fragilidade e impermanência. E esta condenação é a sua beleza.
Apesar de tudo o que se organiza, que se constrói e abandona para nos servir, será no que nos escapa que estaremos mais seguros. Naquilo que existe apesar de nós.
Neste sentido, e neste momento, fará sentido tomar consciência do lugar que ocupamos, em que direção seguimos.
Este trabalho é uma reflexão sobre nossa posição no mundo, como interagimos e afetamos a natureza e os outros seres vivos. Pretende reflectir sobre a dualidade controlo e fragilidade, a tensão constante entre nossa necessidade de interferir no planeta e o estado natural e eterno das coisas que é a transição.
Fator Animal de Maurício Soares
O trabalho fotográfico de Maurício Soares não se pode resumir à categoria “Vida Selvagem” porque está para além dessa fronteira. Desde cedo, dedicou a sua objetiva ao mundo animal próximo, avançando mais tarde para o resto do país, para a Europa e depois para outros continentes.
A adrenalina do fotógrafo é semelhante em diferentes lugares a fotografar diferentes animais. Todas as espécies o deslumbram das mais comuns às mais raras e exóticas. Assim, expectante, aguarda camuflado no jardim da sua casa na Maia que cheguem ao amanhecer os chapins, os piscos, as felosas, os melros, os sírios. Conhece-lhes os hábitos, o calendário e os horários. E é com entusiasmo semelhante que aguarda, no Alaska pelos ursos e águias, pelos bisontes e veados em Yellow Stone, pelos leões e elefantes na Tanzania, pelos crocodilos na África do Sul, pelos colibris e tocanos na Costa Rica, pelos abutres negros nos Pirinéus.
O modo como o Maurício fotografa, como fala das personagens que retrata, como passa o temor que este mundo – próximo e longíquo – esteja irremediávelmente condenado, torna-o um militante pela causa da preservação da natureza que é condição da nossa própria preservação.
(Manuela Matos Monteiro)
I Fought the Law de Carlos Júlio
Olivia Locher nasceu em 1990. Aos 26 anos, percorre metodicamente cada um dos 50 estados dos EUA e, em cada um, elege e viola deliberadamente uma lei estadual. Não há notícia de qualquer condenação por prática reiterada de conduta criminosa. Bem pelo contrário, I Fought The Law, o livro de estreia, que edita em 2017, resultado dessa viagem, é muito elogiado.
São 50 fotografias de estúdio, “actos de desobediência civil” face às leis anacrónicas que transcreve nas legendas de cada fotografia, bizarrias incompreensíveis nos nossos dias mas reveladoras daquela América chamada profunda que emerge triunfante nas presidenciais de 2016.
2018, o mundo sob o galope trumpista desenfreado, eu em quarentena gripal domiciliária, falsário aprendiz, procuro imitar, com recursos caseiros, o grafismo jovem e bem humorado das rebeldias de Locher, encenando, para cada aberração jurídica, composições a partir de algumas preciosidades do sótão.
A contrafacção, em pobre, é notória. Mas, quiçá, por entre a mescla suave de anedotas de salão, o retrato cru da super-potência mundial que dita as leis e se coloca fora da lei.
(Carlos Júlio)
Anatomia de um Eclipse de Miguel Refresco
Grécia. O imaginário coletivo desenha-se a partir de uma perspetiva histórica acidentada, onde ecoam vestígios reminiscentes de um passado glorioso. Uma região erigida entre harmonia das formas e a ruína enquanto vestígio da Antiguidade Clássica. Sempre imaginei a Grécia, como um pedaço gigante de mármore sem forma concreta, talhada pelas descrições exuberantes do Rúben Andresen, enquanto autor do livro “Um Adeus aos Deuses”, embrulhada na versão portuguesa da música dos Jogos sem Fronteiras. O conjunto de imagens que originam a “Anatomia de um Eclipse”, enquadra- se na matriz de um exercício oscilatório de construção e desconstrução destes cânones, onde inconscientemente se baralha a estrutura de vários símbolos associados ao país. Um trabalho construído com base num registo diarístico anacrónico, onde se inscrevem as experiências de uma estadia em Atenas e em quatro ilhas Gregas: Amorgos, Folegandros, Milos e Santorini em 2016.
(Miguel Refresco)
Os laços afetivos estabelecidos pela utilização da câmara fotográfica ao longo dos anos são formativos no processo de trabalho de PAT. Já na infância era inseparável do objeto câmara, que escondia dos adultos, criando assim uma relação íntima e exclusiva com as imagens.
O presente trabalho plasma fragmentos de vivências recolhidos em festas de 50 anos, que acontecem na vida e na Leica D-LUX 4 de PAT entre 2013 e 2020, sempre de braço dado com os amigos do peito.
Nos dias estranhos que agora vivemos, apertados que estamos por um vírus que nos quer parados e deixa em suspenso todos os nossos rituais de passagem, PAT escolhe mostrar imagens que registam ambientes ora festivos, ora tristes, associados à celebração de uma data a que se atribui uma forte carga introspetiva.
O que agora podem ver é o que há de surpreendente naquilo que não se sabe porque é que foi fotografado. Talvez nas imagens seja assim, como foi em tempos: «O “não importa o quê” torna-se então o cúmulo sofisticado do valor» (“A Câmara Clara”, Roland Barthes).
Imago Dei de Cristiano Costa Pereira
A partir do seu arquivo “anómico”, Cristiano Costa Pereira apresenta em exposição um conjunto de imagens através do qual procura transmitir o que não se vê. São paisagens interiores que emergem das profundezas da alma, e aflorando à superfície, se projectam num voo cósmico. O que fica desta crónica visual é a saudade impressa sobre faces nuas de suporte analógico e digital.
Há em Portugal cerca de 800 mil cuidadores informais mas, apesar de alguns esforços e de em 2019 ter sido finalmente aprovado o Estatuto do Cuidador, os cuidadores continuam a viver na sombra.
Considera-se cuidador informal aquele que presta cuidados não remunerados a alguém com uma doença crónica, deficiência ou outra necessidade de cuidados de saúde prolongados fora de um quadro profissional ou formal. “É um trabalho invisível mas extremamente valioso. A actividade (…) valerá em Portugal quase 333 milhões de euros por mês, cerca de 4 mil milhões de euros por ano. É o valor económico das horas de trabalho dos cuidadores informais estimado num estudo pedido pelo Governo (…).”
O “Cuida(dor)” nasceu para documentar o dia-a-dia do cuidador informal.
A minha mãe, há cerca de dez anos pediu a reforma antecipada de forma a poder cuidar dos pais, ambos a necessitar de cuidados permanentes. A partir de finais de 2017 a minha mãe passou a ser cuidadora informal do meu avô, por morte da minha avó.
Os cuidadores informais enfrentam no seu dia-a-dia enormes desafios, quer do ponto de vista físico, quer emocional, configurando-se uma experiência simultaneamente de emoções positivas e negativas. Muitos vêem-se forçados a deixar de trabalhar para poder garantir os cuidados necessários e muitos acabam por se ter de isolar do mundo para assegurar esses cuidados.
Com a pandemia de covid-19 a situação agravou-se, os cuidados redobraram-se, o isolamento ficou mais tangível, tudo ficou mais difícil. E ainda assim, os dias continuam a correr.
Desvelo de Gonçalo Lobo Pinheiro
Covid-19. A vida nos lares de idosos vai muito além da pandemia
Num ano totalmente atípico, tornou-se um enorme desafio fotografar. Criar histórias numa cidade pequena, onde – e felizmente – ocorreram poucos casos de Covid-19.
Contudo, havia que retratar o problema em Macau e apostei em fazer histórias diversas ligadas ao quotidiano das pessoas, depois do confinamento voluntário a que fomos sujeitos em Fevereiro e Março.
As histórias que aqui vão poder ver falam de pessoas, de idosos e dos seus cuidadores.Os idosos são um dos grupos de risco da pandemia que assola o mundo e para a qual só agora começam a surgir esperanças para o seu combate efetivo.
Gonçalo Lobo Pinheiro
PELO NOSSO DESVELO
Convivemos com uma situação excecional há mais de um ano, há mais de um ano que tentamos todos os dias lidar com uma vida extraordinária em que estamos a aprender a estar e a ser. Inquietos, tentamos gerir a incerteza e a imprevisibilidade. Esta pandemia trouxe-nos a consciência física e mental de que somos todos humanos, vulneráveis, sujeitos à imprevisibilidade, a conviver com a fragilidade da nossa condição. Mas há uma franja da humanidade, os velhos, a quem a pandemia mais roubou tornando-os omissos. De entre os frágeis, os idosos institucionalizados em lares são os que mais sofrem e, que por isso, nos tocam mais de perto.
A realidade que Gonçalo Lobo Pinheiro nos traz é a realidade do outro lado do mundo em tempo de Covid: fotografias de utentes e cuidadores do Lar da Santa Casa da Misericórdia de Macau e do Asilo de Santa Maria da Caritas do mesmo território.
São os velhos que habitam as fotografias deste projeto que nos contam os dias. Os formatos dos rostos e dos olhos podem ser diferentes mas reconhecemos o olhar que nos atravessa e interroga. Há uma tristeza letárgica, um certo alheamento de si: as mãos e os pés pendentes sinalizam o abandono do corpo como que descolados, deslocados do seu lugar e da sua função. Uma surpresa inesperada visitou o último apeadeiro da vida que se queria afetuoso e manso. Nos olhares domina a desesperança que é um desespero sem força, sem alento, uma resignação porque não há tempo para adiamentos, não há projeção para futuros. É uma morte por antecipação.
O título da exposição – Desvelo – aparece como uma constatação dos cuidados que são providenciados pelos cuidadores e profissionais de saúde. A mediação da máscara omite os sorrisos, as luvas de borracha omitem o toque de pele, restam os gestos e a palavra muito dominados pela necessidade de segurança. Mas o título diz mais no contexto desta exposição: é uma chamada de atenção para os mais frágeis, para os que não têm futuro. É um apelo ao nosso carinho, ao nosso cuidado, ao nosso amor.
Estejamos nós à altura de lhe responder. (Manuela Matos Monteiro)