de José Vaz Silva, Luís Veloso e Rui Apolinário e com a obra musical de Eduardo Luís Patriarca.
“Que Vamos Fazer Com Estas Memórias?” Andava a família Oliveira ocupada, com os seus operários, a fabricar chapéus de pêlo de coelho e já contava a história que foi uma máquina de costura uma das grandes responsáveis pelo luminoso nascimento do cinema. Estava-se nos finais do século XIX e um fotógrafo francês, depois de observar com atenção o modo de funcionamento da máquina de costura, aprendeu a captar e a fazer incidir numa tela imagens animadas. Louis Lumière, o fotógrafo, ajudava assim a inventar o cinematógrafo. Desde então, fotografia e cinema andaram sempre relativamente próximos, sendo necessárias largas milhares daquelas películas fixas e sensíveis para obter uma rápida e curta hora de fita animada na sala escura. Anos decorridos sobre a descoberta do fotógrafo, nasceria a Oliva para fabricar em série máquinas de costura e outros eletrodomésticos e maquinarias. Nenhum roteiro de S. João da Madeira que procure fazer o inventário da sua cultura material – a tecnologia e o saber fazer do trabalho sobretudo, à falta de outras ruínas, como um castelo ou um pelourinho -, poderá olvidar a fábrica da família Oliveira, o local de trabalho e o objeto arquitetónico e técnico onde esse trabalho se processou ao longo de décadas. O visitante pode depois imaginar, supondo e inventando, os êxitos, a felicidade e os fracassos da Oliva. Se entrar na fábrica desprevenido pode ficar de respiração cortada. A vida material e a vida do trabalho, os objetos, os vestígios físicos e as aptidões, estão degradados e destroçados. Como se fossem um saber ancestral que se torna cada vez mais difícil procurar e encontrar. Não podendo a fábrica aguentar-se de pé, o visitante poderá ficar, irremediavelmente perdido, entre o ontem e o hoje. Entre recantos escondidos, minudências laborais, quase todas preciosas, e pedaços de mistérios adormecidos, com sumiços e apagões, com luzes e clarões, uma longa lista de fotografias faz o registo da morte anunciada e do desejo disfarçado de ressurreição. Elas põem a descoberto vestígios perdidos, reconstroem uma história quase inteira. Com ruídos surdos, parecidos com os das antigas máquinas de costura, viver íntimo e mudanças indesejáveis, colheitas preciosas e, quase de certeza, com a perda de alguma inocência. Elas dão tanto quanto recebem. Para que o esquecimento não se torne num provérbio descuidado. (Rui Gomes)